Hoje, depois do almoço, a Vó pediu que eu mostrasse a nossa
foto na Bienal do Livro. Ela ia reparando em cada detalhe de você e, o que não
dava pra ver, me perguntava. “E o olhinho dele, é pequeno igual ao do seu pai?”
“Esse cabelinho liso... mais claro que o seu, né?” “Olha só a mão dele, meu
Deus!”. E depois passou um bom tempo fazendo o que ela faz de melhor (depois
dos biscoitos, dos bolos e das esfirras): contou uma história.
Não sei se você se lembra dela, nem se ela já era tão “Vó”
quando te conheceu, mas as histórias que
conta são sempre floreadas de detalhes minuciosos e muitas vezes
irrelevantes. Desses quinze dias que ela passou aqui, acho que a história de
hoje foi a única que eu realmente ouvi. A única cujos detalhes não me foram
bastantes. A única que me deixou querendo saber mais. Ela me falou de você.
Qualquer dia desses ela caiu no assunto dos aniversários da
família. E disse, muito contente, que se orgulhava de ter um filho, dois netos
e um bisneto que nasceram perto de seu próprio aniversário: 12 de Fevereiro.
Demorei um pouco para contar todos: o filho, meu pai; o bisneto, o único que
ela tem. E os dois netos somos eu e você.
Com isso, eu me lembrei de que tenho muitas coisas pra te
dizer. Talvez eu nunca termine de dizê-las, mas essa é uma boa oportunidade pra
começar.
Acho que nenhum de nós vai saber realmente como foi que
todas as coisas aconteceram para que hoje não seja um dia de bolo aqui em casa.
Para que meus namorados tivessem ficado mais apreensivos nos primeiros almoços
em família. Para que no natal os presentes embaixo da árvore precisassem de
etiquetas com nomes. Para que eu tivesse ciúme de alguém. Enfim, para que o meu
pai fosse nosso pai. Mas talvez essa
seja a melhor parte de tudo.
Dizem que os irmãos a gente não pode escolher, mas os amigos
, sim. Nasci e cresci sem um irmão, quaisquer que sejam as razões para isso.
Hoje me vejo na possibilidade de fazer algo que ninguém mais pode: eu escolho
ter um irmão. Escolho porque sei que é difícil achar alguém tão parecido comigo
e ter certeza de que as similaridades são verdadeiras. Escolho porque é muito
raro poder gostar da família não pela genética, pelo passado comum ou pelas
circunstâncias. Escolho porque nunca reclamei por não ter irmãos. Escolho
porque não me importam os erros e os acertos de quem me trouxe ao mundo.
Escolho porque sinto a necessidade de escolher.
E mesmo que essa escolha seja uma coisa silenciosa, sutil e
talvez até ingênua, para mim ela significa muito.
Independente do jeito que você lida com tudo isso, quero
deixar claro que você tem uma irmã mais nova que pretende continuar te caçando
e encurralando até quando puder. E que essa irmã geralmente precisa ser caçada
e encurralada pra interagir com outras pessoas, mas misteriosamente sente que
precisa interagir com você.
É claro que seria maravilhoso se você viesse aqui de vez em
quando pra comer um churrasco, que fosse visitar as tias e os primos em
Ribeirão comigo e que aparecesse em todas as fotos que eu tirasse com o nosso
pai. Já imaginei isso muitas vezes, e hoje sei que, por melhor que a imagem
seja, ela não mudaria nada do que sinto com relação a você. Nada disso nos
faria mais ou menos irmãos. Nada pode nos fazer mais ou menos irmãos.
Agora é a hora em que eu teoricamente deveria te dar os
parabéns pelo seu aniversário e desejar tudo de bom, mas isso eu poderia fazer
com uma mensagenzinha de uma ou duas linhas. É mais que óbvio que esses
parágrafos todos não são um “feliz aniversário”. Não sei direito o que são, mas
espero que você goste de lê-los.
Da sua irmã biológica e socialmente verdadeira,
Da sua irmã biológica e socialmente verdadeira,
S.