domingo, 25 de abril de 2010

Domingo, 25 de Abril

Ela nunca olha para trás. Quando me dou conta de que fico, muitas vezes, esperando que ela olhe, percebo de vez quão estúpido sou para me deixar aborrecer por acontecimentos tão simplórios. Um olhar distante, uma palavra vaga, um esquivar, um suspiro... Minha insegurança anda tão faminta ultimamente que aceita se alimentar do que quer que seja. Mas por que ela não olha?
Ah, meu amigo, se soubesse quantas vezes desejei que ela me deixasse, quantas noites preferi morrer a ter de estar sob os holofotes que são aqueles olhos. Agora que ponho no papel vejo o quanto isso se pareceria com uma típica emanação de amor frustrado, se não fosse por aqueles olhos. São horrorosos.
Me desculpe se aqui pareço procurar um pretexto qualquer para desmerecê-la e vingar os sofrimentos que ela me causa. Não, de modo algum tento descê-la do pedestal no qual está, e no qual não foi preciso colocá-la. Parece que mesmo antes do nascimento está fadada a entorpecer os sentidos de qualquer infeliz que nela puser os olhos. Talvez o próprio diabo, incomodado com todo o magnetismo de sua alma, tratou dar-lhe um par de olhos negros e turvos através dos quais pudesse espiar o mundo dos vivos e amostrar àqueles que se atrevessem a olhá-los por muito tempo uma faísca de seus domínios no subsolo. Não minto, meu amigo, nem em hipótese me utilizo das metáforas e do arrebatamento para criar e impor um ponto que não corresponde à verdade. Aqueles dois olhos... São terríveis!

Desculpe-me por não continuar essa carta, de repente o relato dos olhos tenebrosos da moça fez com que não me pusesse bem. Entretanto, peço que o amigo não se compadeça de mim. Estou pagando por tudo aquilo de contente e de bom que me senti nos últimos tempos. Não, prefiro não desenvolver o pensamento. A experiência fornece o esclarecimento sobre os processos da vida e também a piedade para que não nos utilizemos dele para asfixiar as alegrias de outrem.
Pois bem, aqui despeço-me; fecharei antes as portas e também essas janelas. Desculpe se sôo um tanto infantil, com medo do escuro pela simples ausência de luz. É culpa daqueles olhos, ah, os malditos olhos. Só a lembrança do brilho acastanhado e satânico que adquirem quando encontram um canto escuro e sombrio no qual repousar, ah! Fico tomado de calafrios.

Adeus, J*******.